Se existe uma coisa que todo mundo conhece é dor. Certo dia, estava com meu filho de cinco anos vendo o álbum de fotos do dia do nascimento dele. Ao ver uma foto dele chorando, logo que saiu da minha barriga, ele me perguntou: “Mamãe, sabe por que eu estava chorando? Porque dói muito nascer!”
Hoje em dia, ao lidar com pacientes com dor penso em como meu filho estava cheio de razão.
Raramente vamos encontrar um indivíduo que não tenha sentido dor ao longo da sua vida, seja forte ou fraca, fugaz ou longa, aguda ou crônica. É quase como dizer que viver dói. Andar sobre dois apoios, ficar sentado por horas, praticar esportes demais, praticar exercícios de menos, envelhecer… Parece que o ser humano vai sentir dor em algum momento ou, para uma parcela da população, pelo resto da vida.
No ambiente hospitalar, a dor é vista como um sinal vital. É tão importante quanto a frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória e temperatura.
Segundo dados do Ministério da Saúde, quase 40% dos brasileiros sofrem de dor crônica – a dor que persiste por mais de três meses. Além dos impactos pessoais, como perda da capacidade laboral, perda da possibilidade de certas interações sociais, sofrimento físico e psíquico, há uma série de prejuízos econômicos que vão do absenteísmo aos gastos com atendimentos médicos, perícias e até despesas jurídicas.
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Felizmente, a forma como o paciente com dor é visto tem mudado, para melhor, a partir dos avanços farmacêuticos e dos estudos sobre a dor crônica.
No ambiente ambulatorial, a dor crônica não é mais um sintoma e sim uma doença. E o paciente com dor crônica deve ser acompanhado da mesma forma que o indivíduo com hipertensão arterial, diabetes ou qualquer outra doença crônica.
Ela é entendida como resultado de alterações complexas no sistema nervoso, que mantêm a sensação dolorosa mesmo após a resolução da causa inicial. Esse novo olhar reforça a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para o tratamento, envolvendo não só os medicamentos, mas também fisioterapia, psicoterapia e estratégias de autocuidado. Segundo a International Association for the Study of Pain, a dor crônica é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável – ou seja, bastante individual.
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A experiência da dor crônica é tão única e particular, que diferentes pessoas, com os mesmos relatos e condições clínicas, vivenciam níveis variados de intensidade e impacto. Essa variação torna os planos de tratamento bastante personalizados e o médico da dor só consegue um gerenciamento eficaz se estiver aberto para a multidisciplinariedade e até mesmo, às crenças do próprio paciente.
O lado bom é que passamos a entender este paciente. Investigar a causa da dor ou apenas buscar o alívio pode depender muito mais da relação que estabelecemos durante as consultas do que se pensa.
Sem isso podemos até caminhar para a situação em que se encontram países onde a dependência de analgésicos é um grave problema social.
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Diante da enorme oferta de analgésicos é importante saber qual é o mais indicado para aquela pessoa e aquela história. Além disso, ser um “médico da dor” é acompanhar cada efeito colateral possível e evitá-lo.
Essa “nova-velha” doença chamada dor precisa de médicos com uma postura flexível, de olho nas novas tecnologias e nas velhas terapias, com uma atitude ativa para caminhar junto com o paciente para uma série de mudanças de hábitos, mas também passivo o suficiente para a escuta. Sempre em busca da integralidade, mas ao mesmo tempo, com acesso à inovação.
*Carolina Baeta é anestesiologista e médica da Clínica de Dor do Hospital Moriah, diretora de eventos da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo e presidente do Núcleo de certificação em ecocardiografia intra-operatória da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
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