Pareciam sintomas de gripe, mas a dor de cabeça e o mal-estar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sentiu durante dias acabaram se revelando mais do que isso: seu cérebro estava sob pressão de um sangramento, consequência da queda em casa há quase dois meses, que o fez tomar pontos na base da cabeça. Foi um susto, seguido de uma viagem apressada a São Paulo e uma operação de emergência no Hospital Sírio-Libanês na madrugada de terça-feira 10, para drenar um hematoma de 3 centímetros entre o cérebro e uma das membranas que resguardam o sistema nervoso. Dois dias depois, Lula ainda seria submetido a mais um procedimento para bloquear artérias e impedir novos sangramentos — um “complemento” comum, segundo a equipe médica, mas que não constava das informações iniciais e chegou a causar calafrios gerais. O presidente deve permanecer internado por uma semana e, segundo os médicos, passa bem e não terá sequelas.
O empresário José Seripieri Filho, o Júnior, que é dono da Amil e amigo de Lula, foi um dos primeiros a notar que ele não estava bem. Ligou para o médico que o acompanha desde 1991, o cardiologista Roberto Kalil Filho, em São Paulo, que acionou a médica responsável em Brasília, Ana Helena Germoglio, para a realização de exames e da ressonância magnética que detectou o hematoma. Foi tudo muito rápido. Os médicos que acompanham o presidente tomaram a decisão unânime de transportar Lula de avião para São Paulo, viagem que começou às 22h30. “Demorou uma hora e meia até eu encontrá-lo no aeroporto. Sem dúvida, esse tempo de espera foi um dos mais angustiantes da minha vida. Um caso difícil, mas bem-sucedido”, relatou Kalil a VEJA.
SUCESSO - Equipe médica em entrevista coletiva: preocupação em tranquilizar o público sobre a saúde do presidente Lula (Isaac Fontana/EFE)
Lula desembarcou em São Paulo junto com a mulher, Janja, calmo, lúcido e já ciente dos detalhes do procedimento. Foi operado e, pela manhã, conversava e se alimentava normalmente com uma dieta leve. O sangramento é raro de forma tardia, mas não incomum entre pessoas que passaram por pancadas na cabeça — calcula-se que um quarto dos traumas cranianos evolua para o quadro de acúmulo de líquidos na região ao longo do processo de recuperação. Durante a reparação dos tecidos atingidos, uma espécie de bolha de sangue mais liquefeito se forma, empurrando e esticando os vasos que acabam por se romper, provocando um novo sangramento que passa a oprimir o cérebro. “É como se fosse uma luta entre a cicatrização e o inchaço na região afetada”, explica o neurologista Rogério Tuma, integrante da equipe que atendeu Lula. Se nada for feito, grupos de neurônios podem ser destruídos, um prejuízo por vezes irreparável.
O presidente passou duas horas em cirurgia, prazo-padrão para o procedimento a que se submeteu, chamado trepanação — abre-se um pequeno furo no crânio que permite acessar o ponto comprometido e pelo qual se introduz um catéter para drenar o sangue e coibir os estragos (veja a arte). “Não é uma violação importante, tanto que ocorre uma cicatrização espontânea da abertura depois”, diz o neurocirurgião Mauro Suzuki, diretor clínico do Sírio. A embolização realizada dois dias depois, por catéter, durou cerca de uma hora e é indicação preventiva recorrente no caso, por reduzir a 5% a chance de novos sangramentos — sobretudo em pacientes idosos, como o presidente de 79 anos. “Neurologicamente, ele está perfeito”, afirmou Tuma após o procedimento.
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O hematoma subdural — nome técnico do quadro — é mais comum em homens e aparece em 5% a 25% dos pacientes com traumas importantes no crânio. Quando sofreu a queda no banheiro e bateu a cabeça, Lula teve dois pequenos sangramentos, devidamente contidos. Mas foi orientado a fazer exames periódicos para monitoramento. “As complicações do quadro podem envolver alterações motoras, dificuldades de visão ou fala e problemas cognitivos”, lista o neurocirurgião Fernando Gomes, professor da USP. No caso de Lula, os médicos consideram as intervenções um sucesso. “O cérebro está descomprimido e as funções neurológicas preservadas”, diz o neurocirurgião Marcos Stavale, que atuou na cirurgia no Sírio. Após a alta, Lula estará liberado para retomar o trabalho no Palácio da Alvorada, mantendo repouso leve por algumas semanas. Seria ótimo se fosse sem estresse — o que Kalil reconhece “ser impossível na posição dele”.
Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2024, edição nº 2923