É a lei do menor esforço: em seu processo de evolução, o ser humano trilhou caminhos que tornaram suas atividades bem menos intensas para o corpo. A mesma espécie que um dia suou para coletar frutos e caçar animais tem hoje à sua disposição um universo ao toque dos dedos. O trabalho e o lazer passaram a ficar cada vez mais dependentes das telas e, nesse processo, as pessoas se tornaram reféns do chamado comportamento sedentário. Diferentemente da inatividade física — a falta de exercícios programados na agenda —, ele se refere às horas e horas que a humanidade fica estacionada em cadeiras e poltronas, seja em casa, seja no escritório. Tendência que não é inócua para a saúde: uma nova leva de pesquisas acusa malefícios tanto para o bem-estar físico como para o mental. Um dos estudos de maior peso sobre o assunto, realizado pela Universidade Médica de Taipé, em Taiwan, com dados de mais de 480 000 indivíduos acompanhados por 21 anos, concluiu que ficar sentado boa parte do dia eleva, por si só, em até 16% o risco de morte precoce e precipita de problemas cardíacos a emocionais.
NO LAZER - Inércia: horas e horas no sofá trazem consequências ao organismo (//Getty Images)
O corpo humano realmente parece não ter sido projetado para o sedentarismo. Mas o que os especialistas estão notando é que mesmo pessoas que treinam com alguma frequência podem encarar prejuízos se permanecerem paradas demais ao longo dos dias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda ao menos 150 minutos de exercícios moderados a vigorosos por semana. Ocorre que essa meta não exclui uma rotina movimentada. Ou seja, quem passa a jornada de trabalho sentado na frente do computador ou vive maratonando séries no sofá, sem pausas ativas, corre riscos mesmo se aderir à orientação mais conservadora da entidade. “Se a pessoa só fizer o mínimo de atividade física ou menos do que isso, o comportamento sedentário se soma à equação e aumenta a propensão a problemas de saúde”, diz o educador físico Bruno Gualano, presidente do Centro de Medicina do Estilo de Vida da USP. Diante do cenário, os pesquisadores de Taipé defendem que é preciso “desnormalizar” esse hábito, da mesma forma que se mudou o olhar sobre o tabagismo décadas atrás.
Comparar com o cigarro não é um exagero. Um levantamento da OMS publicado no periódico médico The Lancet Global Health mostrou que cerca de um terço da população mundial não atinge os níveis recomendados de atividade física, algo que abre portas para uma lista de doenças que vai de obesidade e diabetes a depressão e câncer e ainda financia ataques potencialmente fatais, como infartos e derrames. É questão de saúde pública!
INTERVALO - Sessões curtas de exercícios: pequenas séries de cinco minutos já podem fazer diferença (//Getty Images)
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A boa notícia é que pequenos ajustes no cotidiano podem mitigar as repercussões da vida parada no organismo. E eles se aplicam tanto às horas no expediente quanto àquelas dedicadas ao lazer. É um ponto a prestar atenção, uma vez que, frequentemente, os momentos de descanso são ocupados pelas novidades dos streamings e das redes sociais — quase sempre consumidas em posição sentada ou deitada. Assim, tanto no local de trabalho como em casa, o conselho dos experts é aderir às pausas ativas. Elas nada mais são do que interrupções para se mexer de tempos em tempos, seja caminhando quando se fala ao celular, seja fazendo uma pequena série de exercícios — algo que algumas empresas começaram a adotar e vai além da ginástica laboral.
VALE TUDO - Andar ao telefone: medida simples quebra longos períodos de inatividade (//Getty Images)
O desafio, claro, é encaixar essas práticas em padrões de rotina tão distintos por aí. Taxistas e motoristas de aplicativo podem encontrar dificuldades em parar entre as corridas. Já quem atua em áreas que exigem bastante do corpo, como o setor de limpeza, pode se ver sem energia para desgrudar do sofá nas folgas. Os escritórios, por sua vez, ainda são desenhados para atividades feitas sobre um assento. Dificuldades individuais à parte, é preciso vencer a inércia. E, fora o esforço de cada um, o projeto rumo à ruptura com o sedentarismo passa por políticas públicas que tornem as cidades mais amigáveis a caminhadas, pedaladas e afins. “Os governos devem oferecer condições para as pessoas se movimentarem mais”, afirma Gualano. Até porque os prejuízos da epidemia de sedentarismo começam a cobrar seu preço. Eis um projeto para 2025: se mexer.
Publicado em VEJA de 3 de janeiro de 2025, edição nº 2925