A maioria dos brasileiros diagnosticados com colesterol alto só procurou atendimento médico após apresentar sintomas de complicações decorrentes do quadro, como falta de ar, náusea e tontura. Dado é do estudo “Percepções de pacientes que vivem com colesterol elevado” (IPEC, na sigla em inglês “Insights from Patients living with Elevated Cholesterol”), realizado pela organização Global Heart Hub, em parceria com o Instituto Lado a Lado pela Vida.
A descoberta mostra um contraste em relação a como doenças decorrentes do colesterol elevado são diagnosticadas, na maioria das vezes, em outros países. Segundo o estudo, o caminho mais comum para a detecção de complicações entre pacientes com colesterol alto de fora do Brasil foi o exame físico anual, facilitando o diagnóstico precoce.
Quando os sintomas de doenças correntes do colesterol elevado já são evidentes, o quadro já está avançado, aumentando o risco de eventos cardíacos como infarto e AVC. Por isso, o diagnóstico tardio da doença apresenta riscos à saúde.
“O colesterol alto em si não causará sintomas, porém a doença que decorre dessa elevação poderá, sim, causar sintomas. O problema é que, quando isso acontece, muitas vezes, o quadro já é irreversível”, afirma Ariane Macedo, cardiologista do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida, à Meio e Saúde.
“Quanto mais cedo o colesterol alto no sangue é identificado, mais cedo é feito o tratamento de maneira adequada, com medicamentos e mudanças no estilo de vida, reduzindo o nível de colesterol e o risco de desenvolver consequências do entupimento das artérias que levam sangue aos órgãos”, completa.
Como foi feito o estudo?
A pesquisa IPEC coletou dados qualitativos diretamente dos pacientes, visando traçar estratégias futuras para o manejo do colesterol LDL e apoiar a comunidade cardiovascular sobre políticas de saúde. O estudo foi lançado em agosto de 2023 para explorar a jornada e as barreiras para o diagnóstico do colesterol elevado, além de investigar o impacto do colesterol alto em vários aspectos da vida, como relações sociais, familiares e profissionais.
Os dados qualitativos foram coletados por meio de entrevistas individuais de 60 minutos com 50 pacientes no Brasil, na Austrália e nos Estados Unidos. Os participantes do estudo foram diagnosticados com LDL-C elevado pelo menos dois anos antes do início do estudo.
Metade dos participantes havia sofrido um evento de doença cardiovascular aterosclerótica, caracterizada pelo acúmulo de placas de gordura nas artérias, aumentando o risco de ataques cardíacos e derrames. Um dos principais fatores de risco para a doença é o colesterol alto.
Dos participantes, 67% eram mulheres e 33% homens, com idade média de 48 anos. Do total, 60% nunca fumaram e 47% tiveram algum evento relacionado à doença cardiovascular aterosclerótica, como AVC (13%), infarto do miocárdio (33%), doença arterial periférica (13%) e angina instável (13%). 67% deles foram diagnosticados com diabetes, e 80%, com pressão alta.
“O estudo é uma iniciativa pioneira não só no Brasil, mas no mundo. É de enorme importância, principalmente por trazer a perspectiva real do paciente que já recebeu diagnóstico há pelo menos dois anos”, afirma Marlene Oliveira, fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, à Meio e Saúde.
Apenas metade dos brasileiros estava ciente da relação entre colesterol alto e doenças cardíacas
O trabalho mostra que apenas metade dos brasileiros relatou que estavam cientes da ligação entre colesterol alto e doenças cardíacas, e que entenderam que medicamentos para o tratamento da doença devem ser tomados ao longo da vida.
As descobertas do estudo revelam barreiras significativas para o tratamento centrado no paciente que tem colesterol LDL (considerado “ruim”) elevado. Além disso, destacam uma lacuna persistente nos cuidados com a doença cardiovascular aterosclerótica, responsável por 85% das mortes por doenças cardiovasculares no mundo.
Os sintomas da doença incluem tontura, desmaios, dor no peito, perda de movimentos e, em casos em que há total obstrução da artéria, pode ocorrer infarto agudo do miocárdio ou AVC. “Isso decorre da falta de irrigação sanguínea causada pelo entupimento das artérias que levam o sangue para os órgãos vitais”, explica.
Apenas metade adota mudanças no estilo de vida após diagnóstico de colesterol alto
O estudo mostra que apenas metade dos brasileiros disse que fez mudanças no estilo de vida após o diagnóstico. Muitos dos participantes relataram ter percebido que não haviam levado as mudanças no estilo de vida, a adesão à medicação ou o monitoramento dos valores laboratoriais tão a sério quanto deveriam após a detecção de colesterol elevado.
“Eu tinha 40 e poucos anos, [o profissional de saúde] disse para eu me exercitar, parar de comer isso, comer aquilo, e eu não segui essas orientações. Foi aí que surgiram essas outras consequências porque continuei comendo coisas que não devia e sendo sedentário. Acho que só piorou com o tempo”, relata participante do IPEC do Brasil, que teve um evento de doença cardiovascular aterosclerótica.
Segundo o estudo, entre as barreiras para a adesão ao tratamento e às mudanças de estilo de vida estão prioridades conflitantes (trabalho, viagens e obrigações familiares, por exemplo), falta de sistema de apoio e dificuldades financeiras.
“Sem dúvida, o medicamento é necessário para alguns indivíduos, pois mesmo com mudanças no estilo de vida, muitas vezes, as pessoas podem não conseguir deixar o colesterol no nível que proteja a pessoa [contra complicações cardiovasculares]”, explica Macedo.
“Entre as mudanças que devem ser realizadas estão a atividade física, alimentação adequada com frutas, verduras, alimentos naturais e carnes magras, redução do consumo de alimentos industrializados e fazer um controle de peso adequado, além da consulta regular para dosagem do colesterol”, elenca a cardiologista.
Educação precoce e abrangente é necessária para a adesão ao tratamento
Entre as principais conclusões do estudo está a necessidade de educação precoce, abrangente e diversa em fontes (organização de saúde, profissionais e campanhas públicas) para melhorar a adesão ao tratamento entre indivíduos recém diagnosticados. Os participantes do trabalho também enfatizam a necessidade de maior conscientização sobre os perigos do colesterol alto, intervenções médicas e de estilo de vida.
Para Neil Johnson, CEO do Global Heart Hub, a doença aterosclerótica continua crescendo significativamente em escala global e merece atenção urgente como prioridade de saúde pública. “É tempo de adotar uma abordagem diferente na forma como lidamos com o colesterol não saudável, um fator de risco crítico modificável para a doença cardiovascular aterosclerótica”, afirma.
Na visão de Marlene Oliveira, o Brasil não possui uma política pública forte e adequada para prevenção, diagnóstico, tratamento e controle de doenças cardiovasculares. “O estudo disponibiliza dados reais importantes para que a discussão sobre esse tema impacte os atores que podem mudar esse cenário, como os profissionais de saúde, os gestores públicos e privados e a sociedade civil, que tem sua parcela de responsabilidade, com os cuidados com a sua saúde e a mudança de estilo de vida”, afirma.
Oliveira também afirma que, após o estudo, foi possível notar a maior necessidade de trabalhar a atenção primária e secundária à saúde, e uma “grande oportunidade” para que a saúde pública e a saúde suplementar trabalhem juntas.
“Temos de melhorar muito a relação médico-paciente em todas as instâncias, melhorar a navegação do paciente nos sistemas de saúde e fazer com que a pessoa que recebeu o diagnosticado de colesterol elevado realmente compreenda que é um paciente e que precisa seguir as recomendações médicas, precisa aderir ao tratamento e, muitas vezes, que precisa mudar seu estilo de vida, comportamento e a alimentação”, finaliza.
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