Se lhe perguntarem quais os principais sintomas da menopausa, é provável que a resposta inclua ondas de calor, oscilação na libido, insônia ou mesmo secura vaginal. Pouca gente falaria logo de cara de uma condição que passou a ganhar nome e visibilidade recentemente entre os especialistas: a névoa mental.
Trata-se de um efeito colateral e cerebral da queda dos níveis do hormônio estrogênio, o fenômeno que marca essa transição fisiológica no corpo da mulher e nem sempre é livre de percalços. No caso, a névoa mental é caracterizada por abalos na memória, no aprendizado, na concentração… Eles passam a atrapalhar a rotina e a qualidade de vida, ainda que, a exemplo de outras manifestações desse período, possam ser temporários.
A boa notícia é que há como minimizar os prejuízos – com exercícios para o cérebro e o corpo. Para isso, no entanto, é preciso conscientizar as mulheres (e até os profissionais de saúde) dessa condição que nubla os pensamentos e a disposição e pode afetar cerca de 60% das mulheres na menopausa.
Um dos principais nomes da medicina brasileira a levantar essa bandeira – e a do climatério como um todo – é a ginecologista Fabiane Berta. Pesquisadora da Unifesp, ela criou o MYPAUSA, uma iniciativa que busca mapear as demandas das mulheres em relação à menopausa nos 26 estados e no Distrito Federal, bem como aprimorar o acesso a informação e a novos tratamentos, respeitando as particularidades regionais.
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Em meio ao primeiro congresso do MYPAUSA, sediado em São Paulo na última semana, Berta concedeu entrevista a VEJA para explicar o que está por trás da névoa mental, seus sinais e formas de prevenção e tratamento.
A ginecologista e pesquisadora Fabiane Berta (Foto: MYPAUSA/Reprodução)
Quais as principais características da névoa mental na menopausa?
A névoa cerebral nessa fase de vida da mulher se caracteriza principalmente por dificuldade em lembrar palavras e números; perturbações na vida diária, como perder objetos com frequência; problemas de concentração e raciocínio; esquecimento de compromissos; sensação de que há algo nublando a clareza dos pensamentos e a resolução de problemas; e confusão mental.
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Quão frequente ela é?
A névoa cerebral na menopausa é um fenômeno real e cientificamente comprovado que afeta mais de 60% das mulheres, se manifestando com sintomas cognitivos que são uma consequência direta das flutuações hormonais – e não simples cansaço ou estresse.
Como diferenciá-la de outras condições, como depressão e burnout?
Diferentemente da depressão (em que o humor se mantém persistentemente baixo), do burnout (relacionado ao estresse crônico e ao ambiente de trabalho) e da demência (que compromete a funcionalidade diária), a névoa cerebral está ligada à queda de estrogênio que afeta áreas cerebrais responsáveis pela memória e funções executivas, sendo tratável com exercícios físicos regulares, estratégias para melhorar o sono e atividades que estimulam o cérebro, conforme demonstrado em estudos da Sociedade Internacional de Menopausa (IMS) e da Sociedade Norte-Americana de Menopausa (NAMS).
Por que mulheres na menopausa são mais suscetíveis ao quadro?
As mulheres se tornam mais suscetíveis à névoa cerebral durante a menopausa devido às intensas mudanças hormonais, especialmente nos níveis de estradiol, hormônio com papel essencial na regulação das funções cognitivas. O corpo feminino possui receptores de estrogênio em praticamente todos os órgãos, inclusive em áreas-chave do cérebro. Isso o torna extremamente sensível às flutuações hormonais características da transição menopausal, que impactam diretamente o funcionamento cerebral.
O estrogênio estimula o cérebro, favorece o surgimento de novas células e mantém a atividade sináptica [a conexão entre os neurônios]. Já a testosterona contribui para o fortalecimento dos nervos cerebrais e melhora a circulação sanguínea no sistema nervoso central. Quando esses hormônios diminuem, é comum que surjam sintomas cognitivos como lapsos de memória e dificuldades de concentração.
Além disso, as oscilações nos níveis de estrogênio e progesterona afetam neurotransmissores que regulam o humor, o sono e a cognição, fatores que, em conjunto, ajudam a explicar a maior vulnerabilidade das mulheres nessa fase.
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De que outras formas a menopausa pode interferir na saúde mental e cerebral?
A menopausa pode impactar a saúde cerebral de diversas maneiras, não só pela névoa mental. Sintomas vasomotores, como ondas de calor, distúrbios do sono e variações de humor, estão entre os principais fatores que contribuem para dificuldades cognitivas nessa fase da vida. É comum que a névoa cerebral venha acompanhada de episódios de depressão, ansiedade e alterações no padrão de sono, sintomas que, em conjunto, afetam diretamente a clareza mental, a memória e a capacidade de foco.
Durante a fase que precede a menopausa, a combinação entre perda de estrogênio, insônia e queixas sexuais pode agravar ainda mais o quadro emocional e cognitivo. Estudos com imagens cerebrais demonstram que os sintomas vasomotores não são apenas desconfortos físicos, mas estão associados a mudanças estruturais e funcionais no cérebro, indicando uma relação direta entre essas manifestações e o desempenho cognitivo. Essas descobertas reforçam a importância de olhar para a menopausa como uma fase que exige atenção integral à saúde da mulher, incluindo o bem-estar mental e neurológico.
O que é cientificamente comprovado que ajuda a mitigar a névoa mental?
Diversas estratégias cientificamente comprovadas podem ajudar a reduzir os efeitos da névoa cerebral durante a menopausa e preservar a saúde cognitiva ao longo dessa transição. A prática regular de exercícios físicos está entre as intervenções mais eficazes, promovendo benefícios diretos ao cérebro e à função cognitiva. A recomendação é de pelo menos 150 minutos semanais de atividade física moderada, somados a dois dias de fortalecimento muscular.
Melhorar a qualidade do sono também é essencial, especialmente considerando que entre 35% e 65% das mulheres enfrentam insônia durante essa fase. Dormir melhor contribui significativamente para a clareza mental e o equilíbrio emocional.
Na dieta, a ingestão de ácidos graxos ômega-3, conhecidos por favorecerem a saúde cerebral, pode auxiliar na memória, atenção e humor. Além disso, o tratamento direcionado de sintomas como ondas de calor, distúrbios do sono e alterações de humor tem impacto direto na melhora da cognição.
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Existem macetes para lidar com as falhas cognitivas também?
Sim, estratégias simples e eficazes incluem o uso de lembretes, anotações e listas para ajudar na organização e na rotina, bem como a prática de atividades que estimulem o cérebro, como montar quebra-cabeças, aprender algo novo ou se dedicar à escrita criativa.
E a reposição hormonal?
Estudos clínicos em mulheres na menopausa mostram que a terapia hormonal tem efeitos neutros na cognição. A perda de estrogênio pode ser observada no funcionamento cerebral, mas a névoa mental provavelmente não persistirá. Uma dessas pesquisas sugere que as mulheres na perimenopausa têm dificuldade em apreender novas informações, mas isso seria temporário.
Acredita que ainda há muito preconceito em relação aos “sintomas mentais” da menopausa?
Sim, ainda existe um estigma significativo em torno dos sintomas mentais da menopausa e isso precisa mudar urgentemente. A névoa cerebral é uma das manifestações mais comuns desse período, mas também uma das menos reconhecidas. Embora se fale cada vez mais sobre o assunto, a maioria das mulheres ainda não associa essa confusão mental à menopausa da mesma forma que reconhece os tradicionais fogachos.
Essa invisibilidade é preocupante, principalmente quando olhamos para o futuro da saúde feminina. No Brasil, por exemplo, enfrentamos um desafio crescente com o aumento dos casos de Alzheimer e estudos já mostram que as mulheres na menopausa perdem até 30% da capacidade de energia cerebral. Além disso, elas podem ter até 20% mais chances de desenvolver placas beta-amiloides no cérebro, marcadores associados ao Alzheimer.
O sintoma pode passar batido por médicos e pacientes?
Para quem vive sob constante pressão, seja no ambiente profissional ou familiar, esses lapsos de memória e falta de foco podem ser extremamente debilitantes. Mesmo sendo uma queixa frequente entre mulheres de meia-idade e tendo impacto direto na qualidade de vida, cerca de 40% delas não recebem acompanhamento médico adequado para esses sintomas.
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Em uma pesquisa feita com mulheres em fase de transição menopausal, mais da metade apontou dificuldades de concentração, fadiga e falhas de memória como os sintomas com maior impacto no desempenho no trabalho, uma realidade que ainda precisa ser reconhecida, validada e acolhida com mais seriedade.
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