A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu nesta quarta-feira, 16, por exigir retenção de receita para os agonistas do GLP-1, categoria de que fazem medicamentos como Ozempic, Mounjaro e Wegovy. A medida visa aumentar o controle sobre a venda e coibir a automedicação e o uso indiscriminado.
O assunto estava em pauta há pelo menos um mês, mas sofreu resistência de associações farmacêuticas que alegavam que a medida poderia atrapalhar o tratamento de pessoas com doenças crônicas e comprometer o ambiente de regulação. “A presente proposta regulatória está alinhada a missão da Anvisa de proteção da saúde da população, num contexto em que o próprio mercado, por iniciativas próprias e articuladas não conseguiu dispor de meios para mitigar o uso irracional desses produtos frente a notificações recebidas e manifestações de todas as associações médicas registradas no presente processo”, disse o diretor da Anvisa, Daniel Pereira, ao seguir o relator em seu voto.
A decisão passa a considerar os agonistas do GLP-1 na mesma categoria que os antibióticos, exigindo receita controlada e necessidade de novas consultas para renovar a prescrição. “Concluo que a medida busca não apenas restringir o uso inadequado, mas também promover uma cultura de prescrição consciente, orientada por critérios clínicos e científicos”, disse Pereira.
A medida foi um pedido do Conselho Federal de Medicina e de uma diversidade de entidades médicas, entre elas a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). “Apesar da eficácia desses medicamentos para o tratamento de diabetes e do excesso de peso, o uso inadequado e abusivo tem se tornado uma preocupação crescente”, disse a SBEM, em comunicado. “Por isso, é imprescindível que a regulamentação seja aprimorada para garantir o uso seguro e responsável dessas terapias.”
Segundo as entidades, no entanto, seria necessário que isso fosse feito com cuidado. Isso é importante porque diabetes e obesidade são doenças crônicas que precisam de tratamentos de longo prazo. Embora a retenção da receita vise, mesmo, a um maior controle, regras muito rígidas podem exigir muitos retornos ao médico, dificultando o uso contínuo dos medicamentos. Uma solução possível seria possibilitar a emissão de receitas controladas que valham por um longo período e permitem um número adequado de compras — isso permitiria uma maior coibição da automedicação e do uso indiscriminado, sem impedir o uso pelos pacientes que realmente precisam da droga.
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Em comunicado publicado logo após a decisão da Anvisa, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) diz que a medida não resolve a raiz do problema. Sem citar a automedicação e o uso indiscriminado, a entidade afirma que “a retenção de receitas, por si só, não resolverá o crescente mercado paralelo de manipulação dos análogos de GLP-1”. Segundo um levantamento realizado pelo grupo, entre fevereiro de 2023 e janeiro de 2025, 17,83 quilogramas de semaglutida (principio ativo do Ozempic) foram adquiridos por importadoras e farmácias de manipulação, quantidade que seria suficiente para manipular aproximadamente 4 milhões de canetas irregulares. Já a tirzepartida, encontrada no Mounjaro, teve mais 10 quilogramas de importação registrados, o que seria equivalente para manipular mais de 2 milhões de aplicadores.
Em resposta a VEJA, eles já haviam afirmado que esse combate deveria começar por uma maior fiscalização das vendas irregulares. A medida da agência sanitária, contudo, visa atacar uma outra frente do problema, marcada por prescrições indiscriminadas para usos off-target e compra sem recomendação médica. Em nota conjunta, SBEM, SBD e Abeso também já haviam alertado para os perigos do marcado irregular, recomendando uma maior fiscalização por meio da Anvisa e do Conselhos de Medicina. A Receita Federal também tem monitorado o contrabando, já tendo apreendido mais de 400 canetas apenas nos dois primeiros meses de 2025.
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