Inteligência? Talvez não seja o caso. O medo retratado em filmes de que a inteligência artificial, por meio de robôs e sistemas futurísticos, tenha vontades e ações próprias e seja capaz de dominar o mundo não é de hoje. Mas, se isso soa a mera ficção, outros domínios artificiais com os quais já convivemos faz tempo parecem estar destruindo aos poucos e silenciosamente a espécie humana. Não seria motivo para se preocupar?
Estou falando de tecnologias que, introduzidas há cerca de 100 anos, tornaram-se parte do dia a dia. Não se trata de robôs ou softwares sofisticados. Mas de pesticidas, corantes, acidulantes, estabilizantes e outros nomes difíceis de soletrar que hoje abundam na alimentação.
Na década de 1930, iniciou-se o uso indiscriminado de agentes agrícolas extremamente tóxicos, mas que se justificavam pelo objetivo de melhorar a produção e atender a demanda crescente de comida da população global. Na década de 1950, a indústria percebeu de vez que era preciso prover mais e mais produtos duradouros.
Até a Nasa tem a ver com essa história, realizando pesquisas para desenvolver alimentos não perecíveis para os astronautas. Esse conhecimento, materializado em diversos ingredientes artificiais, expandiu-se pelas empresas alimentícias e com um novo foco: o consumidor comum.
A publicidade pela TV, ainda uma novidade, incentivou a disseminação da comida altamente processada – que ganhou ainda mais escala com o barateamento dos produtos e a propaganda na internet.
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O que começou de forma, digamos, inocente, visando à longevidade da comida – não necessariamente a nossa – evoluiu de uma forma trágica. O alimento natural perdeu espaço para os artificiais, que ainda ganham em termos de consistência e paladar. A ponto de se ter maionese sem ovos em sua composição, barras de cereais sem as frutas estampadas na embalagem, hambúrguer e purê sem carne e batata de verdade.
Minha impressão é que, cada vez mais, nos alimentamos daquilo que produzem os laboratórios. Nessa era artificial, a comida de verdade não passa de uma figura meramente ilustrativa na caixa, com os detalhes da fórmula aparecendo em letras minúsculas.
Há consequências, porém. Imagine nosso organismo como pecinhas de Lego. Será que as peças da comida artificial se encaixam da mesma forma que as da comida natural? O segredo industrial, não raro, veda a nós, pesquisadores, o acesso aos ingredientes e nos deixa amarrados para realizar novas pesquisas sobre o impacto desses produtos na saúde humana.
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Hoje, pesquisas observacionais e ensaios em laboratório relacionam o abuso de comida ultraprocessada a obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer e outros males que mantém íntima associação com o estilo de vida. O tratamento dessas consequências está se tornando impagável.
Talvez os filmes futuristas tenham alguma razão. Hoje o que comemos é montado com a ajuda de softwares e manipulado por máquinas sofisticadas, sendo distribuído com o suporte da inteligência artificial. Talvez tenhamos cruzado uma perigosa fronteira. E, no futuro, os robôs e seus sistemas nos dominem por outro mecanismo vital: a alimentação.
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